EXCERTO DE NUNCA MAIS É MUITO TEMPO…

2 – Começo

Foto preta e branca de homens posando para foto

Descrição gerada automaticamenteDesde sempre convivi com “a viagem” como um projeto familiar importante para todas as outras coisas da vida. Minhas primeiras recordações incluem uma frase repetida em diferentes circunstâncias: “E quando você for para Portugal?”

Aos poucos fui entendendo que tudo mirava essa viagem: compra-se isto porque levamos para Portugal; evita-se comprar aquilo porque vamos para Portugal e seria um desperdício.

Lembranças vagas, entre dois e quatro anos de idade, incluem o colo da minha mãe quando, entre afagos e graças exclamava a pergunta recorrente: “e quando você for para Portugal?!” No auge da alegria nas brincadeiras, essa frase avisava que a gostosura poderia ser ainda maior quando chegássemos a Portugal.

Eu não compreendia como aconteceria isso, mas não importava. A pergunta não exigia resposta. Era a expressão de um sonho, antes de tudo. Minha mãe fantasiava seu retorno a Portugal conosco a propósito de quase tudo. “Quando a gente for para Portugal…”. Todos os dias.

O sonho da viagem sempre existiu para o casal que migrou logo após o casamento, ao final da década de 1940, de sua pequena aldeia portuguesa de Trás-os-Montes, Vilar Seco, com menos de uma centena de casas, e veio para o Brasil onde nasceram suas três filhas.

O encontro dos dois em Vilar Seco foi mero acaso, ou talvez destino. Ele, Domingos, era homem feito de seus trinta e dois anos. Já tinha vivido no Brasil durante algum tempo, ainda bem jovem, e estava visitando a aldeia Natal.

Pelo que entendi das palavras de minha mãe, ele, meu pai, viveu e trabalhou em São Paulo em sua primeira estadia em solo brasileiro, ocasião em que teve uma amarga decepção amorosa. No auge da dor, chegou a conversar com uma vidente; esta estimulou-o a fazer a viagem a Portugal que já tinha em mente. Nesse possível retorno ele encontraria a paz, disse ela, e a pessoa certa que o faria feliz.

E assim foi. Retornou à casa dos pais em Vilar Seco por um tempo determinado, alguns meses talvez, e, aproximando-se o momento da partida para o Brasil, ele se lembrou das palavras da vidente e constatou que ela tinha acertado em quase tudo.

De fato, tinha encontrado a paz, sentia-se bem com a vida novamente. Faltava aparecer a pessoa que o faria feliz e esse não era um detalhe pouco importante. Sempre atento, percorrera os olhos pelas garotas solteiras da aldeia e sabia que não estava ali a tal pessoa.

Quase ao término de sua estadia viu uma moça pela primeira vez, num fim de tarde, quando ela regava a horta da família. Falou com ela e soube de que família era. Ainda não tinham se encontrado porque ela trabalhava com o pai na região e estavam sempre circulando por outras povoações. Antes de sua primeira viagem para o Brasil, a tal moça não passava de uma adolescente.

Ela, Isaura, então com quase vinte e quatro anos, acreditava que se manteria solteira. Na sua percepção, já estava quase passando da idade de se casar. Além disso, não estava à procura de marido. Julgava que esse não seria seu caminho. Não vinculava seu destino ao casamento e a ideia de ficar solteira não a assustava, como via acontecer a muitas amigas da aldeia. Gostava da vida que levava como ajudante do pai em seus trabalhos por outras paragens.

No entanto, aquele encontro na horta resultou em casamento, o que a surpreendeu para sempre. Jamais esqueceria do próprio espanto ao ver seu destino decidido, a partir daquele momento, numa direção nunca vislumbrada por ela.

Ficaram noivos meses depois. O noivo presenteou-a na ocasião com um broche de ouro português em formato de um grande coração com um feixe de pequenas pedras vermelhas no centro. Na minha percepção, homem nenhum daria um presente como aquele a uma mulher, sem que estivesse realmente apaixonado.

Marcaram casamento sem demora. Ele permaneceu na aldeia mais tempo do que tinha programado, mas pretendia voltar em breve para o Brasil, onde havia oportunidades de trabalho.

Casar-se! Minha mãe não tinha planejado isso para sua vida e de repente viu-se envolvida em preparativos; tudo aconteceu rápido demais! Na véspera do casamento, chegou-lhe uma angústia inesperada pelo passo definitivo do dia seguinte.

Um passo irreversível, ela sabia. E pesava-lhe! Em pouco tempo e sem muito pensar tinha se encaminhado para ele. Sua vida tranquila e previsível tinha dado uma reviravolta ligeira e ali estava ela! Seria sua escolha acertada?

Posso imaginar a sensação anterior ao salto para o desconhecido. Ela pouco sabia sobre a vida futura que estava prestes a escolher para sempre.

Foi apaziguar seus fantasmas com a pessoa em quem mais confiava na vida: o pai.

“Pai, o casamento agora assusta-me”. “E o que é que te aflige, filha?”. “Não sei! Nunca pensei em me casar! Depois, o Brasil é tão longe!”. “Não te apoquentes. Já abatemos o vitelo e a festa está arrumada, mas isso resolve-se. Podes voltar atrás, pronto! Não tens que te casar se não quiseres.” “Não, mas sim, eu quero! Não volto atrás porque, sim, quero me casar.” “Então está bem. Quero te ver contenta.”

“Foi uma festa muito linda, a do casamento de seus pais!” Foi o que ouvimos dez anos depois de pessoas que ainda se lembravam dela.

Pouco tempo após o casamento, eles se despediram da família e da aldeia rumo ao Brasil. Isaura, minha mãe, viajou grávida de sua primeira filha, minha irmã mais velha. Nessa condição ultrapassava pela primeira vez, em 1949, os limites da região de Trás-os-Montes, nordeste de Portugal, acompanhando seu marido e amparada pela esperança de um dia voltar.

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